Olhar Literário – Laerte Fernando Levai
Quando Nietzsche chorou
22 de fevereiro de 2010
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), decepcionado com a civilização ocidental, dizia em seu último livro Assim Falava Zaratustra (1891) que a humanidade é doentia, feia e infeliz, enquanto os animais livres, ainda não contaminados pelo homem, são sadios, bonitos e felizes. Tido como louco, ele acabou sendo equiparado a um “profeta do mal” ao criticar o falso moralismo e o intelectualismo horizontalista que impedem a ascensão humana. Suas outras obras foram A Gaia Ciência (1882), Além do Bem e do Mal (1885), A Genealogia da Moral (1887) e Ecce Homo (1888).
Na tentativa de decifrar a alma atormentada do filósofo, o psicoterapeuta Irvin Yalon pôs-se a escrever, em 1992, o livro Quando Nietzsche chorou. A narrativa ficcional trata do encontro entre Nietzsche e seu médico particular Joseph Breuer, no verão de 1882, em Leipzig. Naquela época Nietzsche, professor da universidade local, apaixona-se por Lou Salomé sem, entretanto, ser correspondido. Em suas confidências a Breuer, mentor de Sigmund Freud, ele alega que a melancolia faz parte de sua vida e que acredita ter vindo ao mundo antes do tempo, daí a sua irremediável solidão.
Esse livro inspirou um filme homônimo, cujo roteiro é uma profunda sondagem da psique humana na busca do que se poder denominar autoconhecimento. O filósofo- paciente e o médico que se torna, paradoxalmente, paciente do filósofo. A doença que afasta o professor da cátedra e os alunos que o abandonam. O médico que se vê, subitamente, doente da alma. Conversações. Descobertas. Frustrações. Muros de silêncio. E uma presença perturbadora que se mistura à própria paixão. Amar o amor fugidio e belo, o amor triste e desesperançado, o amor carnal que se imortaliza e morre. Mas depois disso tudo, o que nos resta?
Resta-nos descobrir aquilo que, na hierarquia dos sentimentos, é o sentimento supremo. A resposta é dada pelo escritor Milan Kundera, nas páginas memoráveis de A insustentável leveza do ser: “Nas línguas derivadas do latim compaixão significa que não se pode olhar o sofrimento do próximo com o coração frio, ou seja, sentimos empatia por quem sofre. Em outras línguas, a força secreta de sua etimologia banha a palavra com uma outra luz e lhe dá um sentido mais amplo. Essa compaixão designa, portanto, a mais alta capacidade de imaginação afetiva”.
Milan Kundera fala desse sentimento sublime no capítulo “O sorriso de Karenin”, ao tratar da doença e da morte da cachorra do casal Tomas e Tereza. Ali ele critica a teoria machina animata de Descartes para demonstrar todo o sentir da pequena Karenin, que se despede da vida com a melancolia de um sol poente. Cabe aqui registrar uma das mais belas passagens desse romance: “A verdadeira bondade do homem só pode se manifestar com toda a pureza, com toda a liberdade, em relação àqueles que não representam nenhuma força. O verdadeiro teste moral da humanidade são as relações com aqueles que estão à nossa volta: os animais”.
Milan Kundera fala desse sentimento sublime no capítulo “O sorriso de Karenin”, ao tratar da doença e da morte da cachorra do casal Tomas e Tereza. Ali ele critica a teoria machina animata de Descartes para demonstrar todo o sentir da pequena Karenin, que se despede da vida com a melancolia de um sol poente. Cabe aqui registrar uma das mais belas passagens desse romance: “A verdadeira bondade do homem só pode se manifestar com toda a pureza, com toda a liberdade, em relação àqueles que não representam nenhuma força. O verdadeiro teste moral da humanidade são as relações com aqueles que estão à nossa volta: os animais”.
A insustentável leveza do ser descreve, em seguida, a cena vivenciada por Nietzsche um ano antes de morrer, já bastante desiludido com os homens. O filósofo sai de um hotel em Turim e vê diante de si um cavalo sendo violentamente chicoteado pelo cocheiro. Nietzsche então se aproxima do animal e, sem dizer nada, abraça-lhe o pescoço e cai em prantos. Foi a partir daí que se declarou sua suposta doença mental, embora para Kundera o significado mais profundo desse gesto – o da compaixão – não tenha sido devidamente compreendido pelos homens.Milan Kundera mostra assim, pelas lágrimas do filósofo, a insustentável leveza que deveria existir na alma das pessoas: “É este Nietzsche que eu amo, da mesma forma que amo Tereza, acariciando em seus joelhos a cabeça de uma cachorra mortalmente doente. Vejo-os lado a lado: os dois se afastando do caminho no qual a humanidade, ´senhora e proprietária da natureza´, prossegue sua marcha para a frente”.
Flavia Ricco